Invasão de mim (parte 2)

Capítulo 2: Expurgo

O abraço é estar numa máquina de ressonância magnética. Talvez soe como algo horrível de se vomitar com tanta incontroversibilidade, principalmente sobre, talvez, o acolhimento mais impactante e nativo da existência humana. Eu sou pouco literal, assim me foi tão mais fácil transcrever o que me doía, o que me cuspia na vida com crueldade e nojo, sem precisar fazer registro de ocorrência, sem precisar toda tenacidade de expurgar.

O barulho da máquina, mesmo com os tampões no ouvido. O dever de estar estática. Pulmões espremidos numa profundidade de sete metros abaixo do rio mais gostoso que mergulhei. Diverge de tudo que já recebi e, ironicamente, eu nunca precisei tanto disso como agora. Não é sobre a estranheza e a busca do ar, puramente. É sobre ser a coisa mais intrínseca e vivaz para cada centímetro da minha pele.

Eu me abraço às palavras por serem a minha única posse. Mesmo que eu desacredite de algo me pertencer e ser pertencido com tanta voracidade. O desmistificar do bom, o reproduzir das regras sociais, a necessidade gritando e emudecendo em cada desfecho errado das minhas tentativas mais sombrias de agir de acordo.

Ainda assim, quando o barulho acaba, quando a mesa em que estou deitada me puxa pra frente e bradam que o exame estará pronto em alguns míseros dias, eu posso retomar meu fôlego na superfície. Eu consigo encher de ar os meus pulmões. Eu consigo sentir a minha criança agradecendo em sussurros lentos no meu ouvido, porque ela quis tanto isso e ela torce tanto por mim. Eu sempre torci por ela também. E, então, diante do bizarro e torto comportamento que desenvolvo, eu sinto e sei que fomos acolhidas. Não precisei mais expurgar em letras e miudezas. Tudo está escancarado em toda a vulnerabilidade que concedi e consenti. Poucas coisas na dura existência podem ser tão bonitas quanto reconstruir o que nunca deveria ter sido ferido.